sexta-feira, 6 de março de 2009

Poesia




Inês de Castro


Antes do fim do mundo, despertar,
Sem D.Pedro sentir,
E dizer às donzelas que o luar
E o aceno do amado que há-de vir...

E mostra-lhes que o amor contrariado
Triunfa até da própria sepultura:
O amante, mais terno e apaixonado,
Ergue a noiva caída à sua altura.

E pedir-lhes, depois, fidelidade humana
Ao mito do poeta, à linda Inês...
À eterna Julieta castelhana
Do Romeu português.

Miguel Torga, Poemas Ibéricos





Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.

Mísero esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.

Sua alma pura
Nos Céus encerra;
Triste da Terra,
Porque a perdeu.

Contra a cruenta
Raiva ferina,
Taça divina
Não lhe valeu.

Tem roto o seio,
Tesouro oculto;
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.

Da dor e espanto
No carro do outro
O númen louro
Desfaleceu.

Aves sinistras
Aqui piaram,
Lobos uivaram,
O chão tremeu.

Toldam-se os ares
Murcham-se as flores;
Morrei, Amores,
Que Inês morreu.


Bocage, Cantata à Morte de Inês de Castro



Teceram-lhe o manto
para ser de morta
assim como o pranto
se tece na roca

Assim como o trono
e como o espaldar
foi igual o modo
de a chorar

Só a morte trouxe
todo o veludo
no corte da roupa
no cinto justo

Também com o choro
lhe deram um estrado
um firmal de ouro
o corpo exumado

O vestido dado
como a choravam
era de brocado
não era escarlata

Também de pranto
a vestiram toda
era como um manto
mais fino que a roupa


Fiama H. P. Brandão, Obra Breve



Pedro e Inês


Tu amavas o sol perdidamente
e tudo te pedia um pouco do perfume do pomar
aurora não do dia aurora do amor
alegria tão forte que causava dor
nave de pedra em luz transfigurada
Há cotovias já no teu silêncio
há coisas de outra idade neste dia
que afogentou os rouxinóis da noite
É manhã nas estrelas vai alguém casar
pedra de pedra pedra intensamente
testamento lavrado sendo já alto o serão
alguém casou alguém morreu de amor
após a sua postrimeira dor
Talvez um dia eu volte lá dessa cidade
somente minha e de mais ninguém
A vida era a mágoa para mim que só pedia
a beleza contida num pequeno copo de água
Ninguém profundamente me conhece
nem talvez isso interesse a alguém
e aos íntimos menos que a ninguém
Bailador e monteiro e justiceiro
pedro primeiro pedro derradeiro

Ruy Belo, “A Margem da Alegria”, 1973, (fragmento final) in Obra Poética de Ruy Belo, vol.2, Ed. Presença

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